A esquizofrenia do Islão
Já anteriormente aqui falámos de Anne-Marie Delcambre, professora universitária de direito e de árabe, orientalista e profunda conhecedora do Islão, com várias obras publicadas em França.
Deixo, para reflexão, um pequeno texto publicado no seu último livro*.
«O Islão que se isola nos seus textos só pode condenar o mundo em que vivemos. Cria um desejo de destruição e de fantasmas delirantes no espírito dos mais fracos. Outros, para lutarem contra esta esquizofrenia do Islão, tentam bricolar um «Islão das Luzes» compatível com a ética ocidental, uma espécie de Islão à europeia!
Da anulação desta esquizofrenia depende o futuro do Islão sunita e, também, xiita. Isso pressupõe um novo olhar sobre o religioso e a análise dos textos fundadores.
A Arábia dos desertos deixou de ser o contexto. Mil e quatrocentos anos de história religiosa do Islão provocou um açulado de capital que os letrados do Islão não querem abandonar. Em vez de procurarem o espírito, continuam a venerar e a exaltar a letra. Jogam uma partida de póquer perigosa. Do ganho ou da perda dependem o futuro espiritual do Islão e a sua sobrevivência no mundo livre. O desafio torna-se mais difícil, uma vez que a presença no Ocidente de um número cada vez maior de muçulmanos alterou os dados. Já não se trata somente de opor o Islão das interdições ao Islão incarnado. Se actualmente cada um pode dizer as mesmas banalidades que o seu vizinho do lado sobre a natureza do Islão, é prova que as análises clássicas sobre o Islão se tornaram caducas. É de esquizofrenia que devemos falar e esta esquizofrenia agravou-se com o aparecimento da Internet. Paradoxalmente, a net conduz a uma ortodoxia segura, fechada e de retorno ao «Islão das interdições» [alimentares, económicas e comerciais, políticas, corporais, médicas, sexuais, comportamentais…n.t.]. Interdições brutais, não moderadas pelas relações humanas reais.
Este média quebra a complexidade das relações, ignora o calor humano. Em contrapartida, serve para recrutar os convertidos. O virtual partilha com o fundamentalista o mesmo ódio à história e à cultura. A net é um instrumento de desculturação. É também a causa de agravamento da esquizofrenia porque deixa subsistir duas ordens diferentes que não cessa de opor, privilegiando uma delas: um quotidiano ocidentalizado onde o Islão não existe e um espaço virtual onde o religioso é omnipresente e se exorta o islamismo. Quando o psiquismo do internauta recusa dissociar o virtual e a realidade e passa ao acto criminoso, colocando em prática as directivas recebidas pela net, de forma brutal, directa e autista, é aí que podemos encontrar um elo entre o Islão radical e o terrorismo.
Este combate violento faz-se em nome de uma ilusão porque o passado de Medina não voltará. O Islão está condenado a esmagado entre os mitos que o fundamentam e as estruturas técnicas que o veiculam. O espírito do crente está obrigado a abandonar o seu espaço metafísico para abordar outra terra e a saber a história real, económica e social. Esta «mudança de espírito» está na origem das falhas, das fracturas, das quebras. Todas as distorções são utilizadas para proteger a fé, incluindo as ideias mais loucas, contra a modernidade. O resultado é uma esquizofrenia agravada, por vezes explosiva, onde se misturam simultaneamente a raiva de sobreviver e o desejo de destruir o mundo real que cria obstáculo ao paraíso perdido.»
* Anne-Marie Delcambre, La schizophrénie de l’Islam, Desclée de Brouwer, 2006.
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