Observatório da Jihad


25.10.06

Na guerra os média são mais eficazes que as balas

por Daniel Pipes
New York Sun, 17 Outubro 2006
Versão original:
Op Eds Now More Central in War than Bullets

Antigamente os soldados, os marinheiros e os aviadores decidiam os conflitos. Esse tempo está ultrapassado. Hoje, o papel crucial para o desenvolvimento das batalhas no Ocidente é protagonizado pelos produtores de televisão, os autores, os oradores e os políticos, o que produz profundas implicações.
Num conflito convencional como a Segunda Guerra Mundial, os confrontos fundamentaram-se em premissas essenciais que hoje são praticamente ignoradas.
Primeira suposição: as forças armadas convencionais lançam-se numa guerra total pela vitória. Os adversários dispõem de soldados, de colunas de blindados, de frotas de barcos de guerra e de esquadrilhas aéreas. Milhões de jovens partem para o combate enquanto os civis passam privações. A estratégia e a informação contam, mas a qualidade da população, o estado da economia e os arsenais contam muito mais. Um observador pode avaliar os progressos do conflito ao analisar factores objectivos como a produção de aço, os stocks petrolíferos, a construção naval e o controle do território.
Segunda suposição: a população de campo é leal aos seus dirigentes. Os traidores e os dissidentes devem ser desmascarados, mas os governantes gozam de um largo apoio consensual. Esta atitude é particularmente notada na União Soviética, onde os inimagináveis massacres de Estaline não impediram a população de dar tudo o que possuía pela «Mãe Rússia».
Os dois aspectos deste paradigma são actualmente inexistentes no Ocidente.
Primeiro, a guerra total visando vencer as forças inimigas convencionais praticamente desapareceu, dando lugar a um desafio mais indirecto constituído por operações de guerrilha, insurreições, intifadas e terrorismo. Este novo esquema foi aplicado aos franceses na Argélia, aos americanos no Vietname e aos soviéticos no Afeganistão. Hoje é utilizado pelos israelitas contra os palestinianos e pelas forças da coligação no Iraque, no quadro da guerra contra o terrorismo.
Esta mudança significa que aquilo a que os militares americanos chamam «bean counting» – a contagem dos soldados e das armas – deixou de ter sentido, de igual modo que os diagnósticos da economia ou do controle de território. As guerras assimétricas assemelham-se mais a operações policiais que aos combates de antigamente. Como na luta contra o crime, o campo que goza de grande superioridade age respeitando um vasto rol de constrangimentos enquanto que o campo da força inferior viola todas as regras e todos os tabus pela conquista do poder.
Segundo, a solidariedade e o consenso do passado estiolaram-se. Este processo tem um século (desde a actuação britânica na Guerra dos Boers, 1899-1902). Como
escrevi em 2005, «a noção de lealdade teve uma evolução fundamental. Tradicionalmente, uma pessoa era supostamente fiel à sua comunidade de origem. Um espanhol ou um sueco eram fiéis ao seu soberano, um francês à República e um americano à Constituição. Este sentimento começa a ser substituído pela lealdade a uma comunidade política – socialismo, liberalismo, conservadorismo ou islamismo, para só mencionar alguns exemplos. Os laços geográficos e sociais são cada vez menos importantes».
Tendo em conta as lealdades de hoje, as guerras decidem-se cada vez mais nas páginas dos editoriais do que nos campos de batalha. A força dos argumentos, a eloquência das retóricas, a subtileza das demonstrações e a clareza dos resultados das sondagens contam mais que a tomada de uma colina ou a travessia de um rio. A solidariedade, a moral, a lealdade e a compreensão são o aço, a borracha, o carburante e as munições do nosso tempo. Os líderes de opinião são os novos almirantes e generais. Como
escrevi em Agosto, os governos ocidentais «devem considerar, cada vez mais, as relações públicas como parte integrante da sua estratégia».
Mesmo no caso da aquisição de armas atómicas pelo regime iraniano, o elemento chave é a opinião pública ocidental e não o arsenal. Unidos, os europeus e os americanos podem dissuadir os iranianos de perseguirem o programa de armamento nuclear. Desunidos, encorajam os iranianos a seguir em frente.
O que Carl von Clausewitz chamava o «
centro de gravidade» da guerra passou da força das armas para o coração e espírito dos europeus. Os iranianos aceitam as críticas às armas nucleares? Os iraquianos acolhem as tropas da coligação como libertadores? Os palestinianos sacrificam a vida voluntariamente em atentados suicidas? Os europeus e os canadianos querem uma força militar credível? Os americanos consideram o islamismo como um inimigo mortal?
Os estrategas não-ocidentais reconhecem a preeminência da política e concentram os seus esforços nesse domínio. Toda uma série de triunfos – Argélia em 1962, Vietname em 1975 e Afeganistão em 1989 – baseia-se na erosão da vontade política. O nº 2 da al Qaida
Ayman al-Zawahiri, expressou recentemente esta ideia, observando que mais de metade dos confrontos dos islamistas «se desenrolava no campo de batalha mediático».
O Ocidente tem a vantagem de dominar a cena militar e económica mas isso já não chega. Tal como os seus inimigos, deverá dar mais atenção às relações públicas da guerra.

2 Comments:

At 09:35, Blogger João Moutinho said...

Cada vez mais, "A Terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos".
Mas não defendo qualquer laxismo na defesa da nossa liberdade.

 
At 10:30, Blogger Sliver said...

De acordo. Defesa intransigente da liberdade e tolerância mas exigindo reciprocidade, senão, para além das óbvias consequências até pode parecer masoquismo.

 

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