Observatório da Jihad


13.9.06

Nem meio mas

por Alberto Gonçalves
in Correio da Manhã

Após apurada análise, verifiquei que 43.25% dos comentários evocativos do 11 de Setembro ainda seguem o padrão iniciado no momento em que as torres desabavam. O truque consiste em começar por condenar, “vigorosa” ou “veementemente”, os atentados. Três frases chegam. A seguir, acrescenta-se um discreto “mas” e, na sequência do “mas”, babam-se as maiores declarações de ódio aos EUA e às democracias ocidentais desde… bem, desde o comentário anterior.
O imprescindível “mas” assinala a transição das convenções sociais sobre a franqueza. O “mas” é também uma piscadela de olho e um símbolo de pertença: é o cartão de sócio de um permissivo clube, que inclui esquerdistas, pacifistas, fascistas, cabeças-rapadas, malucos e trafulhas, e concede acesso ao mundo encantado. E invertido: as acções dos EUA, mesmo se posteriores, são responsáveis pelo 11/9. A globalização é responsável pelo 11/9, mesmo que estatisticamente venha atenuando a miséria dos pobres. A pobreza é responsável pelo 11/9, mesmo que o terrorismo em curso provenha de países e meios privilegiados.
Sucede que a técnica do “mas” pressupõe essa compaixão fingida e, vinda de quem vem, custosa. O ideal seria comentar o 11/9 sem os empecilhos dos cadáveres, dos escombros, do luto. A fim de remover as perdas norte-americanas na matéria, o ideal seria uma teoria da conspiração. Nos fundilhos da Internet, circulam há anos várias, a que obscuros livros e filmes conferiam vaga “credibilidade”. Infelizmente, não a bastante para que os delírios em causa alcançassem discussão pública. Salvo escassas excepções e escassas alusões, nem a imensa desvergonha da Esquerda radical arriscava utilizar semelhantes “argumentos”. Não era a decência intelectual que a impedia, claro: era o medo do ridículo.
Ao quinto ano do 11/9, o medo acabou, e entrámos na fase inédita do “debate”. Por cá, e por exemplo, o amor das nossas televisões pela isenção levou-as a mostrar as duas versões da história. De um lado, mais ou menos mórbidos, os factos; do outro, os elementos das conspirações, cujas “provas” demonstram à evidência que o 11/9 foi obra directa do governo de Bush e, em simultâneo, não existiu. É certo que um 11/9 “fabricado” arrasa com a lenda das vítimas da globalização e com a rebelião dos oprimidos. Mas, enfim, os distúrbios neurológicos são um terreno complicado, que prefiro evitar. O que me intriga é o motivo pelo qual os canais ditos sérios transmitem produtos como “Loose Change” (RTP1, com direito a repetição), colagem de invenções e palpites que uma criança mediana não engoliria. E intriga-me mais que o serviço público tenha insistido e feito do último “Prós e Contras” um exercício de retórica em volta do “tema”.
Metade do programa gastou-se a ponderar alucinações. Metade dos convidados sugeriu a “mentira” do 11/9 sem que o auditório rebolasse a rir. E Mário Soares, que em tempos terá presidido à nação, reconheceu que “há ali coisas muito estranhas”. Entre as quais, digo eu, o facto de ele repetir barbaridades com convicção e citar o extraordinário prof. César das Neves em sua defesa. Da figura maior da democracia a peão de tarados, o dr. Soares é um caso curioso: se ele não existisse teria de ser inventado. E se calhar, conforme uma boa tese conspirativa provaria num ápice, até foi.