Viver no Afeganistão
«O Afeganistão está atolado numa reconstrução penosa. Embora comece a emergir uma imprensa relativamente livre, pouco resta da esperança nascida em 2001, quando foram derrubados os talibãs – que, aliás, preparam o regresso. As ambições dos jovens afegãos esbarram no desemprego e nas tradições imutáveis. Forçadas a casar com quem os pais decidem, muitas raparigas optam pelo suicídio para fugir aos maus-tratos.»
Courrier Internacional, nº84 - esta semana nas bancas
2 Comments:
Miguel Urbano Rodrigues - Outubro de 2001
De repente, o sistema de poder da primeira potência do mundo fez de um fanático islamita o cérebro e o responsável de um atentado de extraordinária complexidade, sobre cuja montagem e densa rede de cumplicidades no interior dos EUA quase tudo permanece envolvido em mistério.
Miguel Urbano Rodrigues - Outubro de 2001:
Quatro viagens ao Afeganistão e a travessia durante a guerra civil da cordilheira do Hindu Kuch proporcionaram-me um razoável conhecimento do país, da sua história milenar, das suas principais cidades e dos povos que ali vivem.
Pergunto-me: que punição têm na mente os estrategas norte-americanos, famintos de retaliação? Num território bem maior do que a França, onde não existe um único caminho-de-ferro, nem indústria, nem laboratórios, onde os computadores são peças raras e a vida quotidiana transcorre quase no ritmo da Idade Media, o que pensam esses senhores bombardear?
As imagens da televisão são esclarecedoras. A fome já é uma realidade no Afeganistão misérrimo. Milhões de pessoas tentam fugir da guerra. Nas inóspitas montanhas e desertos afegãos e nos campos de refugiados já morreu mais gente nas últimas semanas do que nas torres de Manhattan. Mas essas vítimas do prólogo retaliação não contam para os maniqueístas de Washington.
Merece referência a quase omissão no noticiário torrencial que nos é oferecido sobre o Afeganistão de análises sérias sobre as circunstâncias em que os Talibã chegaram ao poder em Cabul em 1996, substituindo ali a coligação também fundamentalista que o ocupava. Foram os EUA quem, pela mão do Paquistão, e com o apoio da Arábia Saudita, deram o sinal verde para que a seita Talibã inaugurasse o seu reinado de terror.
Foram os EUA quem desde 1980 financiaram as escolas de terrorismo instaladas nos territórios tribais da fronteira Noroeste. Ali se formaram sucessivas gerações de terroristas primeiro a serviço das chamadas Sete Organizações Sunitas de Peshawar e depois dos Talibã. Os homens saídos da academia do terror ideada e montada sob a supervisão da CIA ficaram internacionalmente conhecidos como" os afegãos", embora alguns fossem árabes, paquistaneses e iranianos. Quando o pão e o petróleo acabaram em Cabul e os mujaheddin entraram sem combate na capital que não haviam sido capazes de tomar pelas armas, os profissionais do terrorismo"afegãos" espalharam-se pelo vasto mundo, oferecendo os seus serviços a quem melhor lhes pagasse. Muitos foram parar à Argélia, outros aos EUA. Entre essa escória humana havia, por exemplo, especialistas no uso dos mísseis stinger (fornecidos pela CIA) com os quais foram atacados e derrubados aviões comerciais da Companhia Ariana, então do Governo da revolução afegã.
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