Observatório da Jihad


18.5.06

Notas sobre o Corão

No Islão, a interpretação do texto sagrado é lei – civil, penal e religiosa. A interpretação do Corão apesar de ter dado origem a diversas escolas (quatro escolas sunitas e uma, ou mais, escolas xiitas) todas coincidem no essencial. Um debate sobre o Islão deve começar por realizar a síntese das interpretações destas escolas no que se refere aos elementos fundamentais da sociedade muçulmana.

O Corão é, em si mesmo, difícil de compreender porque não está editado nem estruturado – as suratas não obedecem a nenhuma relação lógica (estão classificadas por tamanho decrescente). Para melhor entender o Corão, os eruditos completam-no pela «prática» (sunna) do profeta – de
longas recolhas de tradições orais relatando os actos e as palavras de Maomé. Algumas dessas recolhas, transcritas durante décadas, mesmo séculos, após os acontecimentos são considerados como autênticos (sahih), outras menos aceites são também universalmente utilizadas e, outras ainda são declaradas puras invenções por algumas escolas. Mas, também aqui, as divergências não são sobre pontos importantes para a compreensão do Islão pelos não-muçulmanos – as diferentes versões são mais coincidentes sobre o essencial do que os Evangelhos sobre a mensagem central de Jesus.

Nesta base, os eruditos muçulmanos redigiram os
comentários do Corão, onde se explica o contexto, onde as coisas são ditas e explicadas de forma precisa e detalhada, onde as citações das personagens da época abundam para confirmar ou precisar uma ou outra interpretação, onde as questões-resposta vêm completar a reflexão, etc. – são obras propriamente intermináveis, frequentemente escritas num árabe extremamente sentencioso e empolado. Mas, também aqui, só os detalhes insignificantes, para a compreensão global dos acontecimentos, separam os diferentes livros.

Depois, e de forma paralela, os sábios (oulemas) e os juristas puseram-se ao trabalho para definirem as leis do Islão fundamentando-se no Corão, na sunna e nos comentários. Debateram longamente e formaram as quatro escolas de jurisprudência sunitas já mencionadas. Após as deliberações terem abordado todas questões (o Corão não tem mais de seis mil e poucos versículos) consideraram que o consenso era suficiente, que a ijtihad (esforço de reflexão) estava fechada e que as leis básicas não necessitavam de ser adaptadas. No xiismo, este esforço de reflexão foi continuado – os mollahs iranianos são os actuais depositários.


Para se saber o que é concretamente o Islão, na origem, como através das interpretações consensuais que são autoridade há cerca de 1400 anos, basta ler os eruditos, consultar as suas leis, comparar as prescrições das quatro (ou cinco) escolas de jurisprudência, de triar o que é importante do que é menos e de estabelecer a diferença entre o que é comum a todos e o que difere fundamentalmente. Os elementos centrais, partilhados por todas as escolas, são a parte do Islão que é impossível suprimir ou modificar sem alterar a sua substância, sem contestar a sua pretensão à origem divina.

1 Comments:

At 12:09, Blogger Marco Oliveira said...

"Para se saber o que é concretamente o Islão, na origem, como através das interpretações consensuais que são autoridade há cerca de 1400 anos..."

Essas interpretação consensuais não existem. Nem existem uma autoridade central, tipo papado. Desde o início houve divisões e diferenças abismais de interpretação. E nas sociedades islâmicas é comum assisitir-se à criação de escolas de pensamento bem diferentes umas das outras.

"O Corão é, em si mesmo, difícil de compreender porque não está editado nem estruturado" --> apenas se não se percebe o contexto da revelação.

Já agora: uma das mais inovadores interpretações do Alcorão é a de Muhammad Taha, um teólogo Sudanês. Tão moderno que acabou por ser enforcado pelo governo sudanês.

Taha afirmava, por exemplo, que os suras revelados em Medida (onde há apelos à guerra santa) são fruto de uma situação particular vivida por Maomé e por isso não podem ser aplicados universalmente.

Sobre este teólogo, ver os seguintes links:
http://www.alfikra.org/english.php
http://ustadh.mahmoud.mohamed.taha.en.infoax.org/

 

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